A cor do feminicídio
- joiceantero
- 21 de jul. de 2017
- 5 min de leitura
Atualizado: 18 de jan. de 2019
Em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres

Em todo Brasil a mortandade de mulheres negras ainda é gritante, Principalmente nos casos de feminicídio, um crime causado pelo sistema racista e machista. Buscando fazer um resgate histórico sobre a evolução das mulheres negras na sociedade, entendemos as raízes do problema.
Historicamente as mulheres negras em sua maioria, foram trazidas de seu continente de origem para construir uma camada significativa do mercado escravista. Além da exploração do trabalho o machismo e a violência sexual faziam parte da vida dessas mulheres. Após este primeiro momento com a libertação do trabalho escravo, essas mulheres continuavam em desvantagem por conta de uma série de fatores, a falta de instrução faz com que elas recorram ao trabalho informal ou a cargos subordinados e exploradores, a falta de apoio familiar-pois a maioria destas mulheres tiveram suas famílias separadas ou afetividade negada, por de serem consideradas apenas como uma reprodutora para aumentar o número de escravos, hipersexualização - pois no período escravista seus corpos eram considerados território público por conta dos abusos sexuais que elas sofreram por parte de seus senhores.
A própria estrutura da sociedade limita e dificulta uma ascensão destas mulheres negras, traços machistas e patriarcais impregnados em comportamentos estruturas sólidas. As mulheres negras ainda estão em segundo plano em várias questões; acesso à educação, segurança, saúde e a estrutura psicológica. Todos esses pontos abordados são importantes para relatar os motivos da vulnerabilidade da mulher negra.
A falta de representatividade e assistência psicológica e familiar são alavancas para alimentar a violência. A falta de representatividade no sentido de se reconhecer as figuras importantes e influentes da sociedade, um paradigma muito importante na construção de identidade, assim como assistência psicológica, as mulheres negras sofrem muito mais com relações abusivas em relação as mulheres brancas, existe também a questão da Solidão da mulher negra e o preterimento- que as colocam em uma posição inferior no campo da afetividade. Todas essas construções e motivações são postos-chaves para discutir o feminicídio, a vulnerabilidade da mulher negra que é quatro vezes mais violentada e morta por conta de sua cor de pele e seus traços físicos, mulheres essas vítimas de racismo institucional por parte de policiais - que agridem verbalmente e fisicamente por considerá-las "mães ou mulheres de bandido", violentadas também pelos seus parceiros, por conta de relações abusivas que na maioria dos casos terminam de forma trágica.
“Em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Ainda que, em termos de letalidade violenta, as mulheres sejam menos afligidas, este número representa uma pequena ponta do iceberg das centenas de milhares de violências (físicas, psicológicas e materiais) que afligem a população feminina, que são motivadas por uma cultura patriarcal e que passam invisíveis aos olhos da sociedade. No entanto, as diferenças raciais apareceram mais uma vez misturadas à questão de gênero. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 7,4%, entre 2005 e 2015, o indicador equivalente para as mulheres negras aumentou 22,0%.” (Fonte: Atlas da violência,2017)
Escravidão e atraso estrutural
Apesar das mudanças no cenário nacional, os anos de escravidão deixaram marcas latentes nas relações pessoais principalmente das mulheres negras no ambiente de trabalho, a forma como são tratadas, os cargos que ocupam geralmente subalternos, e com baixa remuneração contribuem para uma vulnerabilidade de violência psicológica e até física. A mulher negra ainda é pouco assistida em relação as questões de ascensão social, falta de oportunidades profissionais – racismo no mercado de trabalho principalmente com mulheres que assumem os traços físicos biológicos característicos da raça negra ( cabelo crespo, uso de turbantes), apoio familiar e dos entes próximos – geralmente essas mulheres sofrem com uma família desestabilizada por conta da violência, e por ocupar a "base" da pirâmide social ela está em uma camada mais propensa e demorar ou não conseguir ter acesso a estruturas básicas de sobrevivência.
Construção de identidade e hipersexualização
A falta de referências próximas, e influência da mídia, a mulher negra tem muito mais complexos na construção da identidade, em encontrar referências próximas a realidade dela – na maioria dos casos as mulheres negras de destaque nas mídias que deveriam ser figuras de representatividade, atendem a perfis totalmente eurocêntricos, geralmente abrem mão de assumir traços marcantes da raça negra para conquistar espaço – exemplo disso são as mulheres que alisam seus cabelos, ou que recorrem a dietas mirabolantes para modificar seus corpos e se adequar ao padrão de beleza caucasiano.
A escravidão, era uma época onde muitas mulheres foram abusadas e torturadas sexualmente, o que reflete até hoje na visão da sociedade sobre o corpo da mulher negra, existe uma erotização das nádegas e seios fartos, o reflexo negativo as mulheres negras estão muito mais propensas a estupros abusos sexuais e feminicídio por parte desses agressores.
Pressão social e relacionamentos abusivos
Outro ponto importante, geralmente por assumir um posicionamento de comando social, a frente da família essa mulher se sente pressionada a não denunciar ou suportar esses abusos psicológicos e físicos por parte de parceiros e outros familiares. Toda a construção social contribui para alimentar as mulheres negras de uma forma negativa, elas se sentem com a autoestima baixa, incapazes de manter boas relações ou se ascender socialmente sozinhas, a falta de apoio familiar e psicológico, também contribuem para que estas mulheres se entreguem a relações abusivas e agressivas, em muitos casos terminam de forma trágica.
Racismo institucional e vulnerabilidade física e geográfica
Por geralmente residirem em comunidades carentes, e por serem mães ou parentes de homens negros elas também sofrem racismo institucional por parte de policiais, que nas abordagens usam de violência, ou até mesmo matam essas mulheres com o argumento que "eram mulheres e mães de bandido". A representação real dessa violência pode se apoiar em dados do Atlas da violência 2017, que embora não filtre o sexo das vítimas diretamente faz um levantamento importante sobre a divergência de dados apurados por órgãos públicos. São questões que estão ligadas ao racismo institucional, as mulheres negras por moraram em comunidades com altos índices de violência estão muito mais vulneráveis, pois além das abordagens diretas podem vir a ser atingidas por projéteis de armas de fogo indiretamente.
“A categoria “intervenções legais e operações de guerra”, registro Y35-Y36 do SIM, continua apresentando um alto grau de subnotificação,como confirmam os números da segurança pública. Em 2015, o SIM registrou apenas 942 casos de intervenções legais, enquanto a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais, ou seja, 3,5 vezes o número de registros da saúde.” (Fonte: Atlas da violência,2017)
Por Joice Antero
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